Tirar o chapéu é para os destemidos
A importância de reconhecer, valorizar e agradecer o trabalho dos outros é inquestionável. Todos podemos dar o exemplo, promovendo uma cultura de gratidão e de interesse genuíno pelo bem-estar dos outros, quer no nosso trabalho, quer noutros domínios da sociedade. Tirar o chapéu, com honestidade e pelo bem de todos, está nas nossas mãos e todos ganhamos com isso.
No Centro Hospitalar de Leiria já todos ajudámos alguém: pessoas doentes, pessoas saudáveis, entes queridos e famílias. Afinal, todos os dias ajudamos alguém a precisar de ajuda e não é por acaso que há hospitais na nossa sociedade: é para que as pessoas possam beneficiar da ajuda que lhes podemos dar. Contribuímos, direta ou indiretamente, voluntária ou involuntariamente, para que os outros estejam bem, seja varrendo o chão, preenchendo papeladas, escolhendo o medicamento mais adequado, dizendo bom dia – a lista de boas ações e de benfeitores é grande.
Também já todos ajudámos algum colega de profissão ou alguém que exerça uma função diferente da nossa. E se é verdade que já ajudámos algum colega de trabalho, também é verdade que já todos beneficiámos da ajuda de alguém. É provável que nos tenham ajudado no passado ou que nos ajudem diariamente no nosso trabalho, seja executando parte do trabalho que nos estava incumbido fazer, seja criando uma atmosfera favorável com a dose apropriada de humor, seja limpando o chão que pisamos todos os dias, seja dando-nos uma palavra amiga quando precisamos ou “simplesmente” dizendo-nos bom dia – a lista de boas ações e de benfeitores também é grande.
Mas muitas vezes, há um medo que paira no ar. É um tipo de medo que nos comprime e que nos amarra, que nos impede de sermos livres e de sentirmos calor no peito. Esse medo é o medo de reconhecermos abertamente que os outros nos ajudam e que sejam valorizados. É o medo de deixarmos aquecer o nosso coração com calor humano. É o medo de dizermos um obrigado sentido - sem segundas intenções.
Para os destemidos, ou para aqueles que não querem este tipo de medo nas suas vidas e no seu trabalho, aqui vai um desafio: o que é que pode acontecer se tivermos a coragem de tirar o chapéu quando alguém nos ajuda ou quando vemos alguém ajudar o próximo? O que é que pode acontecer se reconhecermos a ajuda e o profissionalismo dos outros? Seremos capazes de nos regozijar pelas boas ações dos outros? Seremos capazes de cultivar essa gratidão e agradecer do fundo do coração, não para que gostem de nós nem para reforçar o comportamento positivo do outro - que é outra forma de manipulação - mas simplesmente porque nos sentimos gratos e queremos partilhar essa gratidão, dizendo obrigado? Seremos capazes de dizer obrigado aos doentes e às famílias quando aprendemos com eles? Seremos capazes de promover ativamente, no nosso local de trabalho, uma cultura de gratidão para com o próximo, com criatividade e sentido de responsabilidade pelo bem individual e pelo bem comum?
Há muitas formas de demonstrarmos a nossa gratidão: dizendo olhos nos olhos, colando um “post it” no monitor, escrevendo no dorso da mão de um colega, pegando no telefone, publicando um agradecimento na intranet, afixando um papel no serviço com a contribuição de todos, um obrigado subtil, um obrigado espalhafatoso… whatever. Não precisa de ser especial porque, de qualquer maneira, todos ganham com isso: doentes, famílias e profissionais. Afinal, não é isso que queremos? E os primeiros a serem beneficiados quando nos sentimos gratos e agradecemos a alguém… somos nós próprios, pois há um benefício direto em cultivarmos esse estado mental. Como diz Naomi Williams, “é impossível sentir-se grato e deprimido no mesmo momento”. Obrigado pela sua atenção.
Micael Inês
Comissão de Humanização do Centro Hospitalar de Leiria