Por que se chocam as pessoas

Por que se chocam as pessoas

Depois de um pequeno desvio pelos antidepressivos, voltamos à electroconvulsivoterapia (ECT), tal como prometido.
 
O que podemos dizer mais sobre a ECT? Vimos que foi desenvolvida nos anos 30 e que é aplicada em pessoas que sofrem de doenças mentais graves, tais como a depressão, doença bipolar, esquizofrenia e catatonia, depois dos medicamentos falharem e mediante o consentimento informado expresso do paciente. Falta explicar de onde veio a ideia de dar choques a pessoas, como se aplica e como funciona.
 
Embora o conceito de induzir convulsões com choques eléctricos possa parecer “moderna”, a verdade é que a utilização de convulsões para tratar doenças como a depressão ou a catatonia é antiga. Em finais do século XIX, os médicos observaram que pessoas com doença mental experienciavam um alívio temporário dos sintomas mentais após sofrerem uma convulsão. Isto levou a que, em 1934, o neuropsiquiatra húngaro Ladislas Meduna tratasse doentes catatónicos com cânfora. E obteve bons resultados! Atenção, naquele tempo ainda não havia psicofármacos – seria preciso esperar até 1952… 
 
Mais tarde, a cânfora foi substituída pelo cardiazol, mais estável e fácil de administrar. Estes dois medicamentos foram depois substituídos pela electricidade, pelos médicos Ugo Cerletti e Lucio Bini: a ECT inovou pelo uso da electricidade, mais moderna, limpa e fácil de controlar.
 
Numa sessão de ECT aplicam-se elétrodos em pontos específicos do crânio do paciente sedado. Depois passa-se uma corrente eléctrica com voltagem específica. Estas sessões podem ter de ser repetidas duas a três vezes por semana, num total de seis a 12 sessões. O maior risco está mesmo na anestesia.
 
Se acha este tratamento eléctrico bizarro, lembre-se que se aplicam eléctrodos em regiões profundas do cérebro – sim, mesmo lá dentro do cérebro! – para tratar a doença de Parkinson, com resultados muito satisfatórios! Na ECT nem se chega a abrir o crânio… Portanto, alguma aversão que possa haver em relação à ECT poderá vir de estigma em relação à técnica e à doença mental. Dá que pensar…
 
Por fim, como funciona a ECT, perguntam os leitores. Essa é a pergunta para um milhão de euros: mesmo depois de décadas de investigação, ainda não se sabe exactamente como funciona. Há várias teorias, mas nenhuma delas se provou definitiva. 
 
“Ora, então vai usar-se um tratamento que dá choques sem se saber como funciona?”, pergunta o leitor. Na verdade, a técnica é bem dominada, apenas se desconhece (ainda) o mecanismo biológico. Numa comparação ligeira, usamos relógio, navegamos com GPS, viajamos de carro, comboio e avião e tomamos medicamentos para o colesterol e para a diabetes sem grandes preocupações. Não precisamos de saber como funcionam para os usarmos com confiança.
 
Caro leitor, relaxe. A ECT é um tratamento seguro e que permite melhorar a vida de milhares de pessoas. Os piores choques vêm de dentro de nós. Dá que pensar…

 
Artigo elaborado por:
Daniel R. Machado
Interno de Psiquiatria no Centro Hospitalar de Leiria
 
(Rubrica “Falemos de Saúde Mental”, publicada mensalmente no Diário de Leiria)

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